Libertação para a Esperança

Libertação para a Esperança

– O que você acha ? ele perguntou.

– Acho que estive procurando por uma resposta durante toda minha vida – respondi. E agora, acho que eu encontrei.

Ebby Tinha acabado de me contar sua história de dependência de sexo e relacionamento e havia me identificado com tudo que ele havia dito. Mas sai de lá com um sentimento de total rebelião. Eu não poderia encarar mais uma dependência. Eu estava sóbria no Alcoólicos Anônimos (AA) por aproximadamente quatro anos e nos Comedores Compulsivos Anônimos (CCA) havia mais tempo do que isto, com dois anos de abstinência. Não era justo, Deus estava pedindo demais para mim, eu não poderia faze-lo e não o faria.

Mas a porta para a honestidade que tinha sido aberta não poderia ser fechada novamente. Não podia me lembrar dos detalhes das histórias de Ebby. Não queria lembrar, mas também não poderia modificar os conhecimentos dentro de mim, pois o que ele era eu também o era.

Minha solitária e compulsiva necessidade para os abraços de meus amantes, a procura por mais e mais sexo, isto era uma verdadeira adicção. Esta consciência estava agora totalmente clara. As duas semanas seguintes passaram para mim num pânico crescente – queria beber, queria morrer – queria qualquer coisa, exceto a necessidade de começar de novo do primeiro passo por uma nova adicção, mas eu já estava firmemente dentro daquele passo, consciente da minha impotência perante o desejo, incapaz de parar, a minha vida totalmente fora de controle por causa dele. Tudo o que era necessário era que eu abrisse a porta um pouquinho mais, com boa vontade, e um Poder Superior a mim mesmo tornaria possível aquilo que eu não poderia fazer sozinha.

A rendição não veio fácil para mim, mas ela também não veio fácil para minha adicção para a comida e para o álcool. Eu havia usado a comida para preencher a solidão e para me confortar, desde os meus 13 anos. No momento que eu pude comprar álcool, (quatro anos mais tarde),já estava cheia de ódio por mim mesma e com uma crença de que o mundo era culpado por ser hostil e desamoroso demais para que eu lidasse com ele.

Eu fazia dieta e sonhava em ser magra como se a magreza de repente fosse me fazer graciosa, confiante e bonita. Ainda assim comia, mesmo enquanto sonhava em ser magra – só mais uma, aí eu paro. Assim, eu alimentava o problema, mesmo que a comida aliviasse a dor que sentia. Quase na primeira vez que tive a chance de beber, me embriaguei, fiquei fora a noite inteira e dormi com vários homens e adorei. De alguma maneira, parecia que aquela pessoa que repentinamente era o centro das atenções e que podia levar qualquer um para cama, era o meu verdadeiro EU.

Eu sabia que realmente nunca havia me encaixado, naquela família “legal”, com irmãos atléticos e pais que não bebiam, ou que não bagunçavam, que participavam de jantares da igreja e de férias familiares. O meu lugar era ali, nos bares escuros rodeada de tentação e de homens. Olhando para o passado na minha sobriedade atual, me parece que minha família era normal e amorosa. Porque então me sentia tão desamada e tão estranhamente deslocada? Talvez não exista uma resposta simples. Talvez eu tenha sido uma infeliz combinação genética, mas estava fora de questão que eu não era diferente dos meus irmãos, era simplesmente um fato.

Era óbvio desde o começo da minha adolescência que não podia encarar nenhum problema ou dor na vida, sem algum tipo de droga, e que eu não podia ser feliz sem algo que me fizesse feliz. Apesar de uma vida familiar que parecia muito normal, lá estavam os padrões que se entrelaçaram com a minha adicção. Um padrão era um tipo de desafio marginal contra fazer a coisa certa. Ninguém da minha família parecia pecar, eles não fumavam e nem bebiam. Todos s iam a igreja, não falavam palavrão e meu pai nem mesmo levantava a sua voz. Dentro de mim, acabei me sentido terrivelmente culpada por qualquer pequena violação da moral e cresci odiando “os bonzinhos da igreja”, com quem eu fingia parecer.

Claro que a diferença entre os meus sentimentos e o que me parecia ser aceitável eram tão grande, que aprendi a negar os meus sentimentos e a procurar desculpas para que não tivesse que me rotular como pessoa má: eu xinguei por causa do que ele disse, eu bebi por causa do que ele fez, eu dormi com cem homens por causa do que eles não me deram. Eu acabei tão acostumada a negar os meus sentimentos e a culpar os outros pelo meu comportamento, que realmente não sabia o que a raiva e o medo eram para mim. Não conseguia ver nenhuma maneira de mudar minha vida. Sentimentos sexuais normais, também eram inaceitáveis, já que ninguém mencionava sexo a não ser no contexto da imoralidade. Havia pouca expressão de sexualidade ou de interesse sexual em minha família, de forma que sentimentos normais pareciam terríveis para mim. Já que não podia sequer mencionar sobre sexo muito menos lidar com ele, rapidamente ele se tornou uma obsessão pra mim. Antes mesmo que eu tivesse idade para ir à escola, já havia criado fantasias sexuais e praticava a masturbação, encontrando no prazer que me davam, uma libertação de todos os sentimentos que não conseguia rotular e que não sabia expressar. Eu precisava expressar meus sentimentos. Esse padrão de retirada do contato humano e concentração solitária na libertação sexual – masturbando-me várias vezes durante toda noite até chegar ao clímax – tornou-se uma parte crescente da minha adicção ativa.

Outro padrão na minha vida veio nos modelos de amores disponíveis para mim. Da minha mãe eu tive um maternalismo afetuoso e do meu pai uma aprovação intelectual orientada para o sucesso. De alguma maneira eu parecia não conseguir me integrar a essas duas qualidades, de maneira que separei o intelectual do sexual emocional. Durante toda minha vida ou eu seduzia as pessoas com meu intelecto ou as seduzia com meu corpo. Eu parecia nunca saber o que era uma real intimidade emocional. Embora eu fosse honesta demais para roubar, eu era tão emocionalmente desonesta que não podia admitir nem para mim mesma o que realmente sentia. Não era de se admirar que fosse tão grande a dor pelas necessidades que me pareciam nunca serem satisfeitas e os padrões de comportamento que só aumentavam minha culpa e vergonha, sem satisfazer essas necessidades, se traduziram numa busca desesperada por liberdade.

Encontrei minha pílula mágica, auto-medicada para solidão e necessidades, na comida e mais tarde no álcool e nas drogas. Quando ficava muito gorda mudava para o álcool e quando ficava bêbada demais, voltava para a comida, e abaixo de tudo isso estava a vida dupla e secreta que vivia na esfera sexual. Antes de completar vinte anos de idade, já havia dormido com mais de cem homens, tido doenças venéreas, três tentativas de suicídio, havia sido enviada pela polícia e pelos meus pais para um psiquiatria e tido um bebê do qual desisti para a adoção.

Era o tempo para a minha cura marital, mas infelizmente a minha necessidade insáciavel de liberdade sexual já era grande demais. Muitos outros sentimentos e problemas estavam encontrando uma válvula de escape através do desejo sexual. O meu marido e eu tínhamos que fazer sexo todos os dias, mas nunca era suficiente. Eu não ficava feliz e satisfeita, e tinha que me masturbar durante várias vezes ao dia. Tentando me libertar da depressão que sentia, bebia mais e procurava por amantes. Quando a excitação e intriga tomaram conta da minha vida a depressão aumentou. Eu era uma montanha russa de medo e de luxúria, mas a emoção das aventuras secretas e dos novos amantes eram de alguma maneira satisfatórias e eu não queria parar. Às vezes, depois de algum episódio degradante, como por exemplo, fazer sexo com alguém num canto escuro de algum restaurante, eu ficava envergonhada e me decidia a mudar. Aí então voltava a engordar para me tornar feia e indesejável. Então, movida pela necessidade, eu emagrecia e começava novamente o ciclo de sedução. Seduzindo amigos, maridos de amigas, os jovens alunos do colégio para o qual o meu marido dava aula, enfim, para qualquer um. Inevitavelmente me divorciei e também inevitavelmente o ciclo da sedução continuou, só que agora de uma forma mais aberta.

Mais uma vez, cheia de vergonha, tentei encontrar respeitabilidade casando-me. Eu escolhia alguém que conhecia num bar e usava o casamento como desculpa pelo fato de estar bêbada e por ser gorda, porque ele me tratava tão mal e não me amava e para encontrar sexo em outro lugar, já que não podia encontrá-lo em casa. Os três padrões de adicção progrediam e pioravam. Eu bebia para relaxar, de forma que eu não comesse e quando eu comia acabava vomitando para não engordar. Eu tentava ficar magra para poder obter mais homens e mais sexo, e reafirmar para mim mesma que não teria que ficar sozinha. Sofria apagamentos e profundas depressões. Tive tentativas de suicídio e violentas ressacas, ficando gorda e doente. Contrai doenças venéreas.

Quando estava num padrão de hiper alimentação entrava em relacionamentos masoquistas e dependentes, e quando estava de dieta e magra ficava bem sexy, corria de bar em bar e de cama em cama. Inibições relaxadas pelo torpor e bebendo para esquecer, então acordando com ainda mais para arrepender-me. Mesmo assim, nesses anos de insana progressão da minha adicção, consegui trabalhar como profissional em educação – um pilar da moralidade para a classe média. Não era de surpreender que eu bebesse para esquecer. Sempre nas bordas da consciência estava a sensação incômoda de que algo estava errado, que a minha obsessão sexual não se dava apenas pelo meu mal casamento ou pelos tempos liberais em que vivia. Eu deixava atrás de mim uma trilha de amizades quebradas e abandonadas; me mudava constantemente. Parei de tentar de fazer amigos já que eu era sempre nova na área ou estava prestes a partir, e ninguém me conhecia suficientemente bem para perceber que o isolamento imposto escondia um vazio muito grande e uma falta de habilidade para amar ou mesmo para gostar.

Fazia o meu papel com muita habilidade, a grande sedutora, a mulher que não precisa de ninguém e nunca deixei ninguém se aproximar o suficientemente para perceber a impostora que eu era. Nesta altura, eu podia controlar a minha compulsão apenas com ajuda de regras: nunca seduza amigos, pessoas com quem você trabalha ou alunos; mas minhas regras estavam sendo quebradas com uma freqüência cada vez maior e estava ficando assustada. Resolvi parar de me masturbar sentindo que as horas que passava na cama com revistas pornográficas eram um tipo de doença, mas quebrei essa decisão em poucas horas. Comecei a andar com uma arma e a pensar em suicídio para terminar com toda dor. Como fui parar nos Comedores Compulsivos Anônimos (CCA) e depois nos Alcoólicos Anônimos (AA) é uma outra história, mas basta dizer que apenas fique sóbria quando parecia que a única outra alternativa era usar a arma.

A síndrome de abstinência foi terrível, não apenas por que eu estava longe da comida e do álcool, mas também porque ficando longe dos bares me mantinha afastada de contato sexual que preenchia aquela compulsão. Eu tive um surto psicótico e fui parar num hospital psiquiátrico como consequência da síndrome de abstinência.

Como a rendição era simplesmente uma necessidade, encontrei três padrinhos no AA e todas as noites freqüentava as reuniões, e então comecei a recuperação. Fiquei sóbria mas não podia ficar sozinha. Encontrei um parceiro sexual três semanas após deixar o hospital, com isso minha dor diminuiu e consegui finalmente ficar sóbria. Como qualquer outra pessoa que fica sóbria no A.A. mantendo-se ativa em outra adicção meu progresso foi lento e eu não tinha a libertação da dor que outros pareciam ter.

No meu primeiro inventário consegui racionalizar que minhas aventuras sexuais eram causadas pelas bebidas e portanto não precisavam de um exame mais cuidadoso. Então continuei nelas, não em bares, mas nas reuniões de AA. Havia muitos homens disponíveis no AA e me fazia disponível para eles.

Novamente, tentei a cura pelo casamento, e novamente não pude ser fiel. Mais uma vez não pude conviver com a culpa e decepção, e mais uma vez me divorciei e voltei a caçada interminável atrás de contentamento mudando-me sempre depois de poucas semanas, mudando de emprego, de amigos e de amantes. Novamente estabeleci regras e as quebrei. Cheia de auto-desapontamento decidi que precisava me acalmar. Considerando o tempo da minha sobriedade o meu comportamento era tão bizarro que não podia mais racionalizá-lo: múltiplos amantes, casos com homens casados e “13º Passo” com membros do AA..

Escolhi um novo amante, mas ele logo quis terminar o relacionamento. A esta altura tinha me comprometido comigo mesma a não voltar para a minha velha maneira promíscua, e estava totalmente amarrada a esse novo amante, partindo para a síndrome de abstinência. Foi quando estava nessa terrível retirada forçada, querendo beber, querendo comprar uma arma para me matar que conheci Ebby numa reunião de AA.. Esse encontro casual provavelmente salvou minha vida. Eu não queira ouvir falar a respeito da falta de esperança da minha adicção, pois agora tinha apenas duas alternativas: morrer ou tentar. Em pânico e desesperada ainda queria escapar, mas o tempo estava passando e me rendi um dia por um certo instante, e este foi o começo.

Não foi fácil, mas, revelou-se ser simples. A retirada da masturbação foi muito difícil. Correr funcionava melhor do que banhos frios, especialmente se eu cantasse os 12 Passos enquanto corria. Comecei um novo inventário moral sem racionalizações ou desculpas (meu sexto inventário moral). Depois de alguns deslizes na masturbação superei minha autoconsciência agonizante e li cada palavra do meu inventário para um padre. Estava tudo escrito neste inventário. Toda dor e o modo como eu a usava como desculpa estava lá no meu inventário. Minhas traições aos amigos, minha autopiedade e a solidão juntamente com o doloroso conhecimento de como eu havia criado estas condições também. Minha raiva contra Deus, meu medo da honestidade e a minha revolta contra este novo caminho que eu tinha que seguir. O egocentrismo que havia dominado a minha vida. Coloquei todos eles no meu inventário e muito mais. Vivenciei os próximos passos, escrevi cartas de adeus para antigos amantes, fiz reparações da melhor maneira possível para aqueles a quem havia machucado. E aí começou a maior aventura de todas.

Para a minha surpresa a dor de toda a minha vida pareceu evaporar-se. Me senti como se tivesse acabado de nascer. Como vim a explorar um novo mundo de relacionamentos no qual eu tinha um senso de dignidade e a capacidade de gostar e manter compromisso aprendi que os velhos padrões de adicção poderiam escorregar de volta para dentro da minha vida de maneira sutis. Aprendi a importância do contato com outros que tivessem a mesma adicção e a necessidade absoluta de rigorosa e contínua honestidade.

Aconteceram muitas coisas na minha vida de sobriedade para compartilhá-las todas aqui. Sinto que experimentei tanto, e ainda assim tão pouco. Muitas das lições foram humilhantes. Não tenho atravessado sempre a dor de viver e de lidar com os problemas da vida com coragem ou aceitação, mas tenho passado por eles sexualmente sóbria. Aprendi a viver em parceria com Deus, a praticar a humildade na Irmandade de DASA, a abraçar a dignidade da pessoa e o valor da honestidade e da integridade em relacionamentos humanos. Aprendi a amar a solidão e a valorizar o companheirismo. Aprendi a ficar atenta aos sutis padrões de adicção que podem escorregar para dentro da minha vida tão facilmente. Passei a me sentir parte da Irmandade, parte da humanidade, parte do mundo e parte de Deus. Minha experiência é que eu estava condenada a uma busca sem fim.Eu não sabia porque tinha que continuar vivendo uma vida tão dolorosa. Um membro de DASA me passou a mensagem e eu fui libertada para a esperança e ainda estou aqui vivendo um dia de cada vez.